segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Porque o Chrome não é um simples navegador para o Google

Você já usa os mapas, a busca, o serviço de e-mail, o comunicador, o leitor de RSS e, talvez, um e outro serviço mais especializado do Google. Agora, a companhia quer que você acesse todos eles a partir de um navegador próprio. Monopolizador de atenções no mercado de tecnologia durante a semana passada, o Chrome é mais que simplesmente um browser apresentado pelo Google em nome da competitividade do setor.
Para o mercado, o Google usa o argumento da pluralidade: o buscador gastou meses desenvolvendo um navegador de código aberto a partir do zero, para que o mercado se beneficie de mais uma opção em um setor tradicionalmente dominado por um único player, a Microsoft, rival agora em mais uma área. Diz o Google que não há nenhuma pretensão de competir diretamente com a gigante de software.
Fica difícil engolir a justificativa do Google, quando se analisa a histórica dominação que a Microsoft exerceu entre os navegadores por quase uma década. Após tomar a liderança do setor das mãos do pioneiro Netscape em 1999, o Internet Explorer não encontrou, até semana passada, um competidor à altura da Microsoft que ameaçasse sua supremacia (você acompanha a trajetória do setor no IDG Now!).
Você, entusiasta do Firefox, cultivado a duras penas pelo amor da comunidade e da Mozilla, pode até não concordar, mas o navegador nascido das cinzas do Netscape tinha chances praticamente nulas de ultrapassar o Internet Explorer em médio prazo, por mais que o Firefox tenha se acostumado a introduzir inovações mais tarde usadas no Internet Explorer.
Pela primeira vez na história, a Microsoft tem à sua frente entre os navegadores um produto apoiado por uma empresa com poder de fogo suficiente (seja pelas funções interessantes ou pelo poder do Google na internet) para fazê-la suar. E perder a guerra dos navegadores é, neste caso para a Microsoft, colocar em risco um dos mercados onde a companhia fincou os pés para se tornar a empresa de tecnologia mais valiosa do planeta: a de aplicativos para desktop.
Explica-se: a principal atração do Chrome não é o sistema de gerenciamento individual de abas (se uma deu problema, você não precisa fechar o navegador inteiro) nem o modo de privacidade total (históricos e cookies não são guardados). A menina dos olhos do Chrome é a função que transforma serviços online em aplicativos para desktop.
Nos últimos anos, o Google traçou uma estratégia de ampliar sua dominação online criando alternativas gratuitas e gerenciáveis a partir do browser de programas populares para o desktop, principalmente do reino da Microsoft. Para escrever textos, o Docs sempre foi uma boa opção quando há conexão com a internet. Para planilhas, o Spreadsheets é uma alternativa a ser considerada caso não haja programa similar instalado no micro.
Com o Chrome, no entanto, o Google tem o veículo que faltava para que seus serviços sejam usados a partir da área de trabalho do usuário. A ferramenta que “leva” o serviço online para o desktop cria um banco de dados local que, caso não haja internet disponível, salva as informações enquanto o usuário trabalha – quando a conexão volta, as informações são sincronizadas. O novo engine de JavaScript, chamado V8, é a cereja do sundae oferecendo maior velocidade aos serviços.
Neste sentido, o principal impacto do Chrome é levar à área de trabalho serviços online que se comportarão como rivais diretos do Office, da Microsoft – ao invés de pagar pelos softwaresWord, Excell e PowerPoint, o usuário pode optar pelas versões gratuitas do Google, integradas ao Docs, com um clique no desktop. Quer acompanhar seus e-mails? O Gmail também pode ser uma opção ao Outlook. Com o Chrome, o Google invade o ambiente em que a Microsoft construiu seu império: o desktop do usuário.
A estratégia do Google atinge só a Microsoft? Não, muito embora a desenvolvedora seja o principal alvo pela ampla dominação do mercado de softwares para desktops (a dupla Windows Vista+Office 2007 foi a principal responsável pelos US$ 60 bilhões faturados pela Microsoft em 2007). Deverá haver outros atingidos pelo caminho, a começar pela “parceira” do Google Mozilla.
Nascida como uma organização sem fins lucrativos, a Mozilla encontrou um modelo financeiro quando recebeu milhões do Google (as empresas não pontuam a cifra) para que o Firefox tivesse como busca padrão o sistema do Google. Ironicamente, dias antes do anúncio do Chrome, o Google fez questão derenovar o contrato com a Mozilla até 2011, o que dá ao Firefox mais alguns anos confirmados de vida.
Ainda que não esteja claro a razão pela qual o buscador continue a alimentar financeiramente um “rival” direto no mercado de browsers, a resposta pode estar exatamente na trajetória da principal competidora do Google: a Microsoft atingiu um tamanho tão grande que começou a sofrer sanções de õrgãos de regulamentação do mercado, notoriamente na União Européia.
A manutenção da parceria com a Mozilla, defende o diretor-executivo do Ibope Inteligência Marcelo Coutinho, pode ser uma forma do Google manter uma competição suficiente no mercado que não chame atenção dos grupos que regem os mercados.
No caso, o Google pagaria alguns milhões hoje para evitar pagar muitos outros amanhã, destino da qual a Microsoft não conseguiu fugir na Europa ao ser acusada de quebrar regras anti-monopólio ao encartar o Windows Media Player no Windows.
Não há garantias no plano – caso o Chrome atinja um sucesso além do almejado pelo Google, não há participação de Firefox que o salve do escrutínio dos reguladores. Há também outras possíveis investigações que nada dependem do Chrome, como a dominação crescente do sistema de busca do Google em um cenário com cada vez menos opções.
Nisto, o Google periga repetir a história daquela a que tanto combate.

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