segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Intelectuais italianos apóiam Lula no caso Battisti

“Caso” Battisti: Eis por que estamos com Lula


Um grupo de intelectuais italianos radicados na França lançou na última
terça-feira (4) documento apoiando a decisão do Brasil de não extraditar o
ex-ativista Cesare Battisti e desmascarando os argumentos do governo
ditreitista de Sílvio Berlusconi. A mídia italiana e alguns políticos que
conforme a ocasião se apresentam como de “esquerda” são aqui submetidos a
severa crítica


Somos um certo número de italianos residentes no exterior, onde trabalhamos
no ensino e na pesquisa, estupefatos com a postura da mídia e da “opinião
pública” do nosso país diante do “caso” Cesare Battisti. A jornalista Anais
Ginori, em La Reppublica de 2 de janeiro, parece por exemplo estigmatizar o
“júbilo dos intelectuais franceses” (arbitrariamente identificados com
Bernard-Henri Lévy e Fred Vargas) diante da recusa de extraditar Battisti,
decidida pelo presidente brasileiro Lula da Silva.
Quanto à força de oposição ao atual governo Berlusconi, estamos
particularmente surpresos ao constatar como alguns parlamentares do PD se
recordam repentinamente de sua matriz ideológica, apelando inesperadamente
ao presidente Lula enquanto “homem de esquerda”, com o único propósito de
questionar seu gesto de precaução em relação aos direitos de um preso.

Contrariamente ao que se tem escrito e dito, nós acreditamos que a decisão
de competência do presidente brasileiro não é resultado de um juízo
superficial e apressado sobre nosso país, mas resultado de uma avaliação
aprofundada e pertinente da situação política e judiciária italiana. O
Brasil é o último de uma longa lista de países, após Grécia, Suíça, França,
Grã Bretanha, Canadá, Argentina, Nicarágua, que se recusaram a colaborar com
a justiça italiana. Será um acaso?

Na verdade, a fúria do governo italiano em pedir a extradição de Battisti se
configura hoje mais como a vontade de exorcizar um inimigo vencido (quase
uma obsessão de eliminar), do que como uma sóbria, autêntica exigência de
justiça. Surpreendente, em particular, uma tal perseverança “justiceira” da
parte de um executivo tragicamente incapaz de lançar luz sobre a carnificina
dos anos sessenta e setenta, unanimimente considerada pelos historiadores
como a “mãe” de todo o terrorismo.

Recordemos como em seu favor o “zero responsáveis” sobre o atentado da Praça
Fontana em Milão e da Praça de Loggia em Brescia tem sido permanentemente
consagrado, respectivamente pela Suprema Corte em 3 de maio de 2005 e, mais
recentemente, pela Corte de Inquérito em 16 de novembro de 2010. Ou uma
magistratura severa que garante a imparcialidade do Estado, como sugerido
recentemente por Alberto Asor Rosa[1] em uma de suas freqüentes colunas no
Manifesto!

Uma tal diferença de tratamento em investigar a responsabilidade, que não
tem como não saltar aos olhos da opinião pública internacional, não é apenas
o efeito de uma permanência endêmica, na Itália, de uma classe corrupta no
governo ou mesmo para-fascista (de Alemanno, ex-membro de esquadra fascista,
prefeito de Roma, ao insolente ex-MSI [2] La Russa, Ministro da Defesa).
Não, essa tara originária é antes de tudo fruto da política de emergência
que tem sido o leitmotiv da política italiana do pós-guerra e na qual a
esquerda se deixa seduzir, até a morte rápida como uma fatalidade, quando
não tranqüilamente acomodada, por uma consolidada incapacidade de propor uma
alternativa global a uma ordem capitalista tardia.

Essa “emergência” prolongada foi a base da participação de setores inteiros
do Estado nas atrocidades criminais que ensanguentaram o passado recente da
história nacional, impedindo a emancipação social e debilitando
antropologicamente, molecularmente, a cotidianidade. Fato altamente
significativo, a classe política atualmente no comando na Itália é herdeira
direta desses poderes um dia ocultos (“Piano solo”, “Gládio”, “P2” [3]), mas
agora definitivamente desembaraçada e bem decidida a ocupar o terreno
político e midiático, para defender seu próprio interesse vital ameaçado:
aquele de uma vida reduzida a uma pura, absurda axiomática empresarial.

A “anomalia italiana” não é senão o resultado dessa sistemática subordinação
dos órgãos garantidores do direito à “exceção” do comando político e ao seu
diktat selvagem sobre a consciência. Basta pensar que um dos mais altos
postos da República, abaixo apenas do presidente Giorgio Napolitano, é hoje
confiado a um “magnata” da mídia cuja “acumulação primitiva”, no curso dos
anos sessenta e setenta, tem sido caracterizada por aqueles que a definiram
eufemisticamente como “ilegalmente comprovada”.

Portanto, acreditamos que o forte envolvimento do Estado italiano na guerra
civil “guerreada” que teve lugar na Itália nos anos setenta, paralelamente
ao conflito (não somente e nem sempre “frio”) encenado pelos dois blocos
internacionais opostos e parcialmente especulares, torna impossível desatar
o nó histórico emerso com o “caso” Battisti no quadro das instituições e das
leis atualmente vigentes na Itália. Somente uma medida que reconheça a
enorme responsabilidade do Estado na degeneração do embate político entre os
anos sessenta e oitenta, e não a grotesca exibição de orgulho nacional a que
estamos assistindo nesses dias, pode permitir à Itália sair do “déficit” de
credibilidade internacional que danifica fatalmente sua imagem. Enquanto tal
medida não se concretizar, justiça não poderá ser feita e o pedido de
extradição de ex-terroristas aparecerá fatalmente como atalhos vexatórios,
quando não como tentativas mentirosas de reescrever a história.


Saverio Ansaldi – Universidade de Montpellier III
Carlo Arcuri – Universidade de Amiens
Giorgio Passerone – Universidade de Lille III
Luca Salza– Universidade de Lille III.

Notas
[1] Alberto Asor Rosa é um intelectual conhecido na esquerda italiana desde
os anos sessenta. No final dos anos setenta, como quadro do Partido
Comunista Italiano, defendia posições teóricas que buscavam se contrapor ao
protagonismo nas lutas sociais dos sujeitos políticos dos quais Cesare
Battisti fazia parte. Vide sua teoria da “primeira” e “segunda sociedade”.
(N. do T.)
[2] Partido formado no pós-guerra por aderentes do fascismo. Foi na prática
o partido fascista italiano até sua dissolução na Aliança Nacional em 1995.
(N. do T.).
[3] Gladio era o nome de uma operação clandestina da Otan no pós-guerra, com
objetivos anti-comunistas. Entre suas ações estavam atentados como a chamada
“bandeira trocada”. P2 era uma loja maçônica, envolvida com a Operação
Gladio, com a máfia e em escândalos financeiros. O ‘Piano solo’ foi um plano
no qual a Gladio esteve envolvida e que conseguiu tirar do governo italiano
os ministros socialistas, em 1964. (N. do T.).

Fonte: Uninomade.org
Traduzido do italiano

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