quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Martha Medeiros‏

Tão perto e tão longe

" O mundo virou um favelão com gente amontoada, uns assistindo vida dos outros, todos na mesma panela, cozinhados na mesma fervura"

O livro da indiana Thrity Umrigar ¿A distância entre nós¿ conta a história de duas mulheres que vivem realidades distintas, mas que, ao mesmo tempo, estão próximas não só por viverem na mesma casa (são patroa e empregada) mas por terem sofrido, cada uma a seu modo, as humilhações impostas por uma sociedade machista.

A história se passa em Mumbai (antiga Bombaim), mas poderia acontecer em qualquer capital brasileira, guardadas as diferenças culturais.

A despeito dos acontecimentos que narra, o livro vale mesmo é por trazer à tona reflexões sobre distância e proximidade, duas coisas que, quando se tornam uma só, geram conflito na certa.

Vivemos neste mundo sem fronteiras, globalizado, automatizado, voyeurizado: basta teclar enter e você está em qualquer lugar, com todas as informações no seu colo, vendo e escutando o que quiser.

Por um lado, é fascinante; por outro, não há mais personalização: somos público, somos massa, somos o todo. Não nos é dada mais a alternativa de estar ausente, de ser alguém difícil de encontrar e de identificar.

Perdemos o direito ao segredo, ao mistério e ao silêncio ¿ tornaram-se coisas quase ilícitas. Ser uma pessoa reservada e discreta desperta desconfiança, e não respeito.

Solidão, que já inspirou tão belos poemas, passou a ser considerada doença. Se estamos tristes, logo surge alguém recomendando uma medicação.

E intimidade você não consegue ter mais nem consigo mesmo, tantas são as requisições externas, tanta é a dificuldade de se conectar com emoções verdadeiramente autênticas, à prova de manipulações. Livros, revistas e sites nos dizem como viver e o que sentir, como vencer obstáculos e ser feliz.

Mas e se você não quiser ser feliz, quiser apenas viver? O quanto de espaço e liberdade temos para isso? O mundo virou um favelão com gente amontoada, uns assistindo à vida dos outros, todos na mesma panela, cozinhados na mesma fervura.

Estamos próximos demais dos escândalos do vizinho e das fofocas de Los Angeles, próximos demais de uma bala perdida e de um estranho que virou melhor amigo pela internet, próximos demais dos piercings íntimos de uma atriz e da nova descoberta científica mundial, próximos demais do perigo, do prazer e de pessoas que não conhecemos.

Sem falar na vida não requisitada que entra pelo computador e pelo celular: promoções em que você não está interessado, mensagens que não quer receber. Você está dentro. É ingrediente do mesmo intragável cozido.

Desejar o que neste ano que ainda está no começo? Um pouco de distância, de arejamento, de área livre para se deslocar. Menos sufoco, mais tranqüilidade.

Menos certezas absolutas, mais tempo ocioso, não preenchido com informações inúteis. Distância do que nos agride, do que nos perturba, do que nos vulgariza e ridiculariza.

Distância para manter o discernimento, ter perspectiva.

Quando embolados, não enxergamos o horizonte e é comum que nos atropelem e machuquem.

Não sei você, mas não me sinto bem em lugares com lotação esgotada e poucas rotas de fuga. Pois é dessa claustrofobia que falo, da impressão de estar num planeta superlotado onde todos respiram no seu cangote, espiam por cima do seu ombro, observam seus passos e tentam adivinhar seus pensamentos e desejos mais íntimos.

Todos tão perto e tão longe.

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@ cassiano - Janeiro 2011- Mid:Inacaver

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