domingo, 28 de agosto de 2011

Mais de 40% não tem aprendizado em leitura no 3º ano


Amanda Cieglinski

Brasília – Mais de 40% dos alunos que concluíram o 3° ano do ensino fundamental não têm o aprendizado em leitura esperado para essa etapa. Isso significa que não dominam bem atividades como localizar informações em um texto ou o tema de uma narrativa. É o que aponta o resultado de uma avaliação aplicada no primeiro semestre deste ano a 6 mil alunos de escolas municipais, estaduais e privadas de todas as capitais do país. O objetivo era aferir o nível de aprendizado das crianças no início da vida escolar, após os três primeiros anos de estudo.
A Prova ABC é uma parceria do movimento Todos Pela Educação, do Instituto Paulo Montenegro/Ibope, da Fundação Cesgranrio e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). A avaliação utilizou a mesma escala da desempenho adotada pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), exame aplicado pelo Ministério da Educação (MEC) aos alunos do 5° e 9° do ensino fundamental. Por esse modelo, o aluno tem o aprendizado considerado adequado quando atinge 175 pontos. O desempenho médio em leitura dos alunos participantes da Prova ABC foi 185,5 pontos – mas há grande variação nas notas de escolas públicas e privadas e entre estudantes do Norte e Nordeste em relação ao restante do país.
Enquanto os alunos das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste tiveram desempenho acima da média nacional – chegando a 197 pontos no Sul – os do Norte e Nordeste atingiram, respectivamente, 172 e 167 pontos. Os resultados também variam entre as escolas públicas e particulares: a média dos estudantes da rede pública foi 175,8 pontos, contra 216,7 entre os da rede privada.
Os alunos que participaram da prova também fizeram uma redação para avaliar competências como coesão, coerência e adequação do texto ao tema proposto, além da observação das normas ortográficas e de pontuação. O desempenho esperado, em uma escala de 0 a 100, era pelo menos 75 pontos. Mas a média nacional foi 68,1, sendo a nota dos alunos das escolas públicas seis pontos inferior a essa média e a dos estudantes da rede privada, 18 pontos superior.
Também foi avaliado o conhecimento dos participantes em matemática, cuja média nacional foi 171,1 pontos – abaixo do nível determinado como aprendizado adequado. O aluno precisaria atingir 175 para ser considerado apto a resolver problemas envolvendo notas e moedas, além de dominar a adição e a subtração. Apenas 42% do total dos avaliados atingiram esse patamar.
As habilidades dos estudantes com os números também foi superior na rede privada, cuja média foi 211,2 pontos contra 158 na pública. Os alunos do Norte e Nordeste também tiveram resultados inferiores – 152,6 e 158, 2 pontos respectivamente – em relação aos participantes do Sul (185 pontos), Sudeste (179 pontos) e Centro-Oeste (176 pontos).
*Matéria publicada originalmente em Agência Brasil

A desigualdade global

Frases feitas afirmam-se periodicamente. Depois da queda do Muro de Berlim vingou
Orwell: infelizmente, estava certo. Foto: AP
a ideia de que também ruíra a ideologia como se a nova crença não fosse altamente ideológica. No momento, se você observa que nem tudo no Brasil anda às mil maravilhas, ouvirá de bate-pronto que o mundo inteiro está em crise. Alguém acrescentará: nesta moldura de franca decadência, até que nós estamos em condições menos graves. Em parte, é verdade. Factual, como indicam os índices de crescimento do País, ainda bastante razoáveis.
No imanente e no contingente, verdades factuais de diversos pesos têm de ser registradas, a começar pela crise econômica e financeira e pelas responsabilidades dos senhores da Terra, impávidos na repetição dos erros que provocaram o desastre de 2008 e que, três anos depois, precipitam a recaída. Recaídas sempre agudizam a doença.
Há, em contrapartida, os avanços científicos e tecnológicos. São passos importantes, e mesmo assim têm duas faces como Janus bifronte, e se prestam a aprofundar as desigualdades, em um mundo que se povoa de velhos nos países ditos ricos e cresce à desmesura nos países pobres. Somos hoje 7 bilhões de terráqueos e seremos 10 bilhões em poucas décadas. Pergunta óbvia e imediata: haverá comida para todos? Surgem, porém, outras perguntas, igualmente pertinentes: qual será o tamanho da contribuição desse aumento populacional ao desequilíbrio ambiental? Previsões sombrias: as temperaturas crescerão 4 graus. Ah, sim, vai faltar água.
Estamos de acordo quanto ao fato de que George Orwell foi um infatigável pessimista. Leonardo da Vinci imaginou o helicóptero, Verne o submarino, Orwell o Grande Irmão, a nos espreitar dia e noite. Os três anteciparam os eventos. Propuseram o teorema e o provaram. Talvez valha considerar como a evolução tecnológica e a chamada cultura de massa acabaram por dar razão a Orwell. A humanidade bombardeada pelas versões midiá-ticas comandadas pelos Murdoch da vida, titulares e aspirantes, espionada até nos recessos mais recônditos, tolhida fatalmente à prática do espírito crítico, emburrece em progresso inexorável.
O seguinte quesito exige uma resposta rápida: anima-nos constatar que líderes globais se chamem Cameron, Sarkozy, Obama, Berlusconi, Merkel etc. etc.? Houve tempos melhores, e eis mais um sinal da decadência, sem falar de Trichet, Bernanke e companhia. Sim, o mundo é cada vez mais medíocre, para não dizer incompetente. Inepto em geral, e mesmo na inépcia, desigual. Não me refiro, está claro, à desigualdade econômica e social ou mesmo estética, como se tivesse a pretensão de comparar o Sambódromo carioca com o Coliseu, a anacrônica Sé de São Paulo com a Catedral de Chartres.
Jean Clair, o mais importante crítico de arte francês, acaba de publicar um livro em que investe contra a chamada arte contemporânea. Digamos, ao acaso, a do inglês Hirst, que vende por 12 milhões de dólares um cadáver de tubarão mergulhado em um cubo de vidro cheio de formol, a fingir uma intacta ferocidade. Clair denuncia os assassinos da arte, de fato mestres em marketing. Na Europa, instigado pela própria crise, desenrola-se um intenso debate sobre a validade de empulhações variadas propostas por bienais e outras tertúlias pretensamente artísticas, e sobre os preços impostos pelo mercado em delírio. Por aqui, continuamos a importar vezos, modas, besteiras inomináveis.
O Reino Unido produz uma televisão como a BBC, aqui é a treva. Quem se der a comparar os jornalões nativos com The Guardian ou o La Reppublica não poderá deixar de cair em depressão. Também não são nativos os irmãos Coen, Seamus Heaney ou Philip Roth. Em compensação os nababos brasileiros, sobretudo paulistanos, assemelham-se aos emires do Golfo, e um dos países de pior distribuição de renda do mundo baseia em São Paulo a segunda maior frota de helicópteros do globo.
A maioria dos brasileiros não possui a consciência da cidadania e até hoje 1% da população é dona de 50% das terras férteis. Temos um povo resignado e uma elite, salvo raras exceções, exibicionista, ignorante, mal-educada e terrivelmente provinciana. Não é assim em outros cantos, e são estes pontos que convém ressaltar se o assunto é a desigualdade global. E o Brasil, sempre para ficar nos exemplos, é também o país onde um assassino contumaz como Cesare Battisti recebe asilo e, no momento, do Ministério da Justiça os documentos que o habilitam como livre cidadão a viver e trabalhar entre nós.
Não é por acaso que quaisquer estudos, pesquisas e estatísticas sobre o ensino no Brasil exibem a precariedade do próprio. No fundo, o Caso Battisti é, antes de mais nada, a prova de uma enorme, abissal ignorância, exibida à larga, até com empáfia, em nome da soberania nacional. Avulta a ignorância de autoridades, juristas e juízes (?) que ao enfrentarem o problema nem se dignaram a inteirar-se da história da Itália do pós-Guerra.
Encerrado o lamentável capítulo, na esteira acaba de vir a derradeira decisão: turistas italianos poderão permanecer 90 dias por ano, improrrogáveis, em lugar dos 180 dias anteriores, proporcionados a todos os europeus. Soa como represália aos protestos de Roma, retoque final à altura da história toda.

José Dirceu: sem reforma política, sistema cairá nas ruas

publicado em 24/08/2011


Por Benedito Tadeu César
Fonte
Sul 21 - 24/8/2011
Ex-ministro da Casa Civil no governo Lula, José Dirceu mantém-se como homem forte do PT, ainda que minimize sua participação na direção do partido. “Procuro ajudar o governo e o PT. Mas não tenho essa importância, esse papel que querem dar a mim”, afirma. No entanto, enquanto trabalha como consultor de empresas e prepara a defesa no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), faz política na maior parte do tempo.
Os rumores de uma rebelião no governo Dilma Rousseff, os desafios da presidenta frente à crise econômica e as propostas de reforma política estão na pauta de José Dirceu. Em entrevista concedida ao Sul21 na semana passada, ele avaliou positivamente a atuação de Dilma na área econômica e criticou a oposição – e setores da imprensa – por aventarem a possibilidade de Lula ser candidato em 2014.
Diante da série de denúncias em ministérios, Dirceu defendeu a política de alianças iniciada no governo Lula e afastou a relação da ampla coalizão com casos de corrupção. “O combate à corrupção tem sido feito. Mas é preciso fazer a reforma política e administrativa também”, defende. Do contrário, o sistema político perderia a credibilidade: “A reforma política é uma demanda que vai se impor. Senão, o sistema vai cair, e vai cair nas ruas”.
Na entrevista, José Dirceu também comentou a crise do governo Lula em 2005, os desafios do Brasil na América Latina e, por fim, as costuras políticas de seu partido para as eleições municipais em Porto Alegre.
Gostaríamos de começar com um assunto que vem sendo discutido nas últimas semanas, que é esse debate sobre se a presidenta tem, ou não, traquejo para lidar com as denúncias de corrupção. Alguns jornais noticiaram que o senhor teria dito temer que o governo Dilma não chegasse até o fim e que sentia-se “apavorado” com a forma como Dilma estava conduzindo o diálogo com os aliados. Como o senhor avalia a condução política de Dilma Rousseff a partir dessas denúncias de corrupção?
Suceder o Lula não é fácil. A Dilma é um “case” nesse sentido. As pesquisas mostram que ela tem 70% de aprovação, sendo que enfrenta uma crise internacional que não está sendo bem respondida pela maioria dos países. Com a experiência de ministra da Casa Civil, de ter participado do enfrentamento da crise de 2008 e 2009, ela está trabalhando para que o Brasil passe ao largo dessa nova crise. Essa, para mim, é a questão mais importante para o Brasil nesse momento: não permitir que o Brasil seja afetado, tomar as medidas necessárias em defesa da nossa moeda, da nossa indústria e da nossa economia. E sustentar o crescimento com os investimentos, apesar da necessidade de medidas de proteção ao crédito, de aumentar o juro e de fazer o ajuste fiscal que ela fez. Nesse sentido, a avaliação do governo nesses oito meses é altamente positiva. E a sociedade brasileira está dando esse retorno a ela. A Dilma herdou um sistema político, uma forma de governar e de administrar. Tem uma oportunidade de reformá-lo. Eu diria que a segunda grande tarefa, depois de enfrentar a crise econômica, é promover a reforma política. Essa tem que ser a bandeira do PT. A base do governo depende do PT e do PMDB. E depende da aliança do PT com o PSB, PCdoB e PDT. Evidente que não podemos prescindir do apoio do PP, do PR e do PTB. Não acredito que haja risco de perder a maioria, ou qualquer risco institucional. Jamais falei isso, até porque não é a minha avaliação. A Dilma aprovou os principais projetos, acabamos de aprovar agora o PL-116 (novas regras da TV por assinatura), a regulamentação do novo modelo de tramitação das medidas provisórias. Isso não significa que não haja instabilidade, claro. O PR, aparentemente, deixou de ser um partido da base e passou a ser independente, ainda que eu ache que não há acordo nem consenso dentro do PR sobre isso. Ao mesmo tempo, o PV diz que, frente à crise internacional, é necessário que o interesse nacional se coloque acima dos interesses partidários. Então, acho que existe mais um desejo da oposição e de setores da mídia do que uma divisão verdadeira dentro da base. Tanto isso é verdade que grandes jornais estão vindo com um factoide, como vieram na época do terceiro mandato do Lula. O factoide da vez é que o Lula volta em 2014. Isso é um factoide, até porque seria um tiro no pé. Não tem nenhum sentido colocar 2014 na ordem do dia. Na verdade, isso reflete também a falta de propostas da oposição, de um programa político alternativo. A oposição está dividida, fragilizada. Tem três candidatos. Um que teve um semestre desastroso, que é o Aécio Neves; outro, José Serra, é um eterno candidato que o seu próprio partido não quer; e tem o Geraldo Alckmin, que primeiro tem que governar São Paulo para depois querer ser presidente da República. Os indicadores de São Paulo não estão apresentando bons resultados, e as pesquisas de opinião mostram que o governo paulista não vai bem.

É muito comum, quando se fala em corrupção no governo federal, lembrar da reforma política. Sem ela, seria impossível governar sem fazer algum tipo de vista grossa…
Não, não. Você tem que governar com alianças. Você não pode dizer que a aliança leva à corrupção. Nem que sem alianças não teremos corrupção. Nós não podemos governar sem coalizão. É algo inerente ao atual modelo político brasileiro. Eu não acredito que a corrupção tenha a ver com coalizão. Corrupção tem ligação com a própria corrupção, e você tem que combatê-la. Para isso, há os órgãos de fiscalização e é preciso aperfeiçoar a legislação também. Não temos nenhum problema com isso. O governo Lula foi o que mais combateu a corrupção. Aliás, Lula e Dilma indicaram cinco vezes o primeiro colocado na lista para o Ministério Público, e a oposição elegeu três membros para o Tribunal de Contas da União. E se você olhar a Controladoria Geral da União antes do Lula e comparar com hoje em dia, vai ver que ela ganhou poderes quase autônomos. Fora que a Polícia Federal atua com a mesma autonomia do Ministério Público. O combate à corrupção tem sido feito. Existe corrupção? Claro que tem. Precisa mudar o quê? Primeiro, precisa mudar a legislação, fortalecer órgãos de controle e criar secretarias de controle interno (Ciset) em todos os ministérios. Mas é preciso fazer a reforma política e administrativa também. Qual é o sistema político que existe no Brasil? Uninominal, voto no candidato, disputa dentro do mesmo partido. Cada vereador, deputado estadual e federal é uma campanha diferente. O custo disso é 20, 30 vezes maior do que com voto em lista ou distrital misto. Tem que fazer reforma política para ter financiamento público de campanha e para ter um sistema eleitoral que reduza para 10% do custo das campanhas. Em segundo lugar, tem que fazer a reforma administrativa. Na Constituição de 1988, o PT defendeu que os cargos em comissão fossem ocupados por funcionários de carreira. No entanto, o que era para ser a exceção – a indicação – virou a regra. Nós temos que abolir isso, temos que determinar que os cargos de confiança serão ocupados por funcionários de carreira, com exceção dos indispensáveis. Em vez de 22 mil servidores públicos, o Executivo vai indicar dois mil. Isso vai acabar com a corrupção? Evidentemente que não. Tem corrupção nas empresas privadas, em ONGs, em qualquer lugar. Mas acho que essas reformas vão minorar, e muito, o problema da corrupção no Brasil.

Voltando na questão do PMDB, o senhor acha que a aliança com o PMDB está consolidada? Porque se fala de uma aparente rebeldia dentro do PMDB, até de certo modo organizada com vistas a 2014. E tem um caso concreto, com a divulgação das fotos dos presos na Operação Voucher, e também as denúncias no Ministério da Agricultura.

Vamos separar as coisas. Nós não podemos aceitar ou permitir nenhuma violação dos direitos garantidos ou individuais. É intolerável, inaceitável que a Polícia Federal coloque algemas, faça prisão arbitrária, seja temporária ou preventiva. Isso expõe a imagem das pessoas. Quanto às alianças… Aliança é unidade e luta. Nós temos aliança com o PMDB, mas não temos o mesmo programa, nem as mesmas propostas, nem o mesmo objetivo e nem somos iguais, seja ao PMDB ou ao PCdoB, PSB ou PDT.
É normal, então, que em um assunto como o Código Florestal o PMDB vote contra o governo?
É algo que se pode esperar, porque eles representam interesses que nós não representamos.

Mas essa diferença não prejudica a manutenção da base?
Não, porque existem objetivos maiores. O PMDB é um partido desenvolvimentista, nacionalista, um partido que concorda conosco no básico de nosso programa. Não é um partido que está pregando privatização, que defende a abertura do nosso mercado – pelo contrário, ele prega que o nosso mercado seja defendido. Então, nós temos um programa mínimo com o PMDB, mas não temos ponto em comum com o PMDB na reforma política, por exemplo.

Então a reforma política não vai sair. Se as duas principais bancadas não concordam…
O risco de a reforma política não sair é grande. O Senado aprovou a reforma política da Câmara, então aprovou tudo; do próprio Senado, não aprovou quase nada, a Câmara é que vai ter que aprovar. Então, vamos falar da Câmara, que é o que conta. Ninguém tem maioria na Câmara. Nem para emenda constitucional, que são duas votações de 308 deputados, nem para uma votação simples em determinadas questões. A reforma política, no meu entendimento, é uma demanda que vai se impor. Senão, o sistema vai cair, e vai cair nas ruas. Esse sistema, como existe hoje, vai acabar caindo nas ruas. Porque ele se auto alimenta das emendas, das nomeações. Basta olhar para qualquer campanha para saber que nenhum candidato, nenhum partido tem condições de financiá-la, precisa pedir dinheiro para empresas privadas.

O PT é uma minoria programática no Congresso?
Eu diria que o PT, nessas questões da reforma do Estado e da reforma política, é o partido que está mais próximo dos anseios da sociedade. O problema é que a sociedade quer o objetivo, mas não concorda com o meio, que é o financiamento público; quer o objetivo, mas não concorda com o meio, que é o voto em lista. Isso porque está sendo induzida a acreditar que o financiamento público vai tirar dinheiro do Estado. Eu acredito que o PT está na vanguarda, mas precisa se mobilizar mais, envolver mais a sociedade. Como o movimento do Ficha Limpa abraçou, de certo modo, as bandeiras da reforma política dentro dos princípios que o PT defende, temos alguma chance de criar um movimento da sociedade com relação a isso. Agora, nós podemos também recuar como o deputado Henrique Fontana propôs, de maneira inteligente e correta, no meu entendimento. Vir com uma proposta mediana, que seria uma votação mista, uninominal e em lista. Eu prefiro uma votação distrital e em lista, mas acho que a proposta dele é mais fácil de passar. E o financiamento público, lógico que com a fidelidade partidária.

O senhor falou que, se não mudar esse sistema político, ele vai cair nas ruas. O que o senhor quis dizer com isso?
Que, um dia, a sociedade vai se rebelar contra esse sistema político, como tem acontecido em todos os países do mundo. Porque é um sistema inócuo.

Há, entre a população, uma descrença com a política e os políticos. Para muita gente, político virou quase sinônimo de ladrão, de criminoso.
Isso é um erro. E eu sei quem faz isso, quem cria essa imagem. É a grande mídia, que tem como objetivo ter um Poder Legislativo enfraquecido. Não que ela não tenha razão nas denúncias que faz, mas a maneira como ela persiste nisso tem um outro objetivo, que é manter o Legislativo dócil, porque daí ele não fará nunca uma regulação, nunca vai taxar as grandes fortunas e heranças, nunca vai taxar as grandes rendas e as grandes propriedades. Independente da eficiência ou não desses impostos, estou falando mais do ponto de vista ideológico. A agenda da terra é outra que não anda no país. Tem temas que não avançam no Brasil, em parte, por causa da mídia. Além do que, ela quer monopólio, não quer concorrência e não quer ser regulada. Porque ela é um poder político, e quer disputar esse poder político com os partidos e com o parlamento. Eu acho nefasto esse papel que ela exerce, de desqualificar os partidos e a política de modo geral. Por que a mídia não aprova o financiamento público e o voto em lista? Porque isso corta o mal pela raiz. A mídia tem que fazer jornalismo investigativo, tem que exercer seu papel de fiscalização. É verdade que muitas vezes a corrupção vem à tona porque a mídia publica. Não nego nada disso, nem me oponho a que ela faça isso. Não é disso que reclamo, é outro departamento.

Por mais que haja um discurso “antipolítica” da mídia, a crise do Mensalão em 2005 não contribuiu para criar essa imagem? Como o senhor avalia aqueles acontecimentos? O PT já conseguiu se recuperar de 2005?O PT não só se recuperou como é o maior partido nas votações para a Câmara dos Deputados e elegeu três vezes consecutivas o presidente da República. Sem isentar o PT de suas responsabilidades. O caixa dois do PT foi transformado no mensalão em uma tentativa de criar uma crise institucional ou de provocar a derrota do Lula em 2006. Tratou-se de uma disputa política, uma tentativa de deslegitimar o PT e derrubar o presidente Lula. No meu caso particular, fui transformado em alvo principal e passei a ser chefe de quadrilha e corrupto. Eu, que nunca tinha sido investigado na minha vida. Nunca foi provado nada contra mim na Casa Civil, nos 30 meses em que ela esteve sob minha responsabilidade.
Alguns artigos da época diziam que o PT e governo Lula haviam acabado após o mensalão. Esta era a tese geral. Agora o senhor mesmo disse que o governo melhorou. Que condições pós-crise do mensalão fizeram o governo deslanchar?
O governo tomou decisões de política econômica que deram condições para o PAC e para o crescimento do país. O governo aprendeu com a crise. Fez várias mudanças na relação com os partidos e várias mudanças internas. E o país aprendeu muito com a crise. A sociedade, a imensa maioria dos brasileiros, se deu conta do que o que estava em jogo não era o problema de caixa 2. O que estava em jogo era o governo do Lula, o rumo do país. Se não, o Lula não teria sido reeleito. Qual é o presidente que suportou uma campanha como o PT e o Lula suportaram entre 2005 e 2007? Ainda reelegeu sua sucessora, o que era mais difícil que eleger o Lula. É mais PT, mais projeto político, apesar do peso da liderança do Lula na eleição.

Há quem diga que o senhor acumulou funções demais na Casa Civil.

Tanto acumulei que em outubro de 2003 eu pedi para separar e em fevereiro de 2004 o presidente Lula separou. Mas eu acumulei não porque eu queria, e sim porque era uma necessidade do país e do governo naquele momento. Tanto é que deu certo, fizemos o programa de reformas que tínhamos que fazer no Congresso Nacional e reorganizamos o governo. A Casa Civil, que eu exerci durante 30 meses, não foi um fracasso. A chamada crise do mensalão é outra coisa, que me atingiu e não deveria ter me atingido. Aquela CPI era dos Correios, a outra CPI sobre o mensalão não chegou a analisar o mensalão, e a CPI dos Bingos, que depois virou a CPI do Fim do Mundo, eu nem sou citado no relatório final. A Polícia Federal não me denunciou, e ninguém lembra disso. O procurador-geral da República me denunciou antes da Polícia Federal e antes da conclusão da CPI. Evidentemente que uma denúncia assim é parte de um movimento político, não tenho dúvidas sobre isso.
Houve notícias nos últimos dias de que o senhor teria ido a Brasília para ajudar a apagar incêndios. Como é que está sendo sua participação atualmente?Eu sou da direção nacional do PT, sou blogueiro, sou militante do PT e participo de articulações políticas. Procuro ajudar o governo e o PT. Mas não tenho essa importância, esse papel que querem dar a mim. Felizmente, né? Porque isso significa que tem outros quadros fazendo o que precisa ser feito. Temos líderes, temos direção, temos ministros que conduzem a política. O meu papel é o mesmo papel de dezenas de lideranças e dirigentes do PT. Eu nem sou membro da executiva nacional. Minha prioridade é o meu julgamento no STF, que eu quero que aconteça o mais cedo possível.
O que o senhor está fazendo hoje?
Sou advogado, tenho atuado como consultor e sou militante do PT. Em dois terços do meu tempo eu estou me defendendo ou fazendo política, no resto do tempo estou trabalhando, como consultor e advogado.

O senhor foi uma pessoa importante na construção da candidatura de Lula, enfrentando até alguns setores dentro do PT. Como foi essa trajetória do PT até a Carta aos Brasileiros?Isso começa entre 1981 e 1983, entre o PT se legalizar ou não. Havia um debate sobre a possibilidade do PT não se legalizar, se o PT era um partido ou uma frente, um partido tático ou estratégico, um partido de quadro ou de massa, se o PT ia desenvolver programas de governo ou não, se ia tomar o poder e aplicar um programa revolucionário. Depois há um interregno, a partir de 1991, quando nós perdemos a maioria no PT e eu me afasto da direção nacional. Quando eu me torno deputado federal, eu tomo a decisão de me afastar da secretaria-geral, tento ser líder de bancada, que eu perco, e tento ser candidato a governador, que eu perco também. E eu vou advogar, monto um escritório de advocacia. O resultado da campanha de 1992 foi um choque, nos demos conta de como nosso discurso estava errado. Tanto que a campanha do Suplicy já é, pela primeira vez, para o bem e para o mal, o primeiro uso do marketing eleitoral no Brasil. Digo para o bem ou para o mal porque há muitas deformações, muitas vezes o marketing acaba substituindo a política, o profissionalismo substitui a militância e tudo o mais. Quando chega em 1995, o Lula me chama para conversar e me pergunta se eu queria voltar para a direção do PT. Eu digo “olha, posso voltar, mas eu estou organizando a minha vida, quero ser candidato a prefeito de São Paulo”. E eu reforcei que a Articulação não ganhava aquele congresso (do PT), que eu ia para o sacrifício, mas eu aceitava, já que ele queria e precisava de um candidato. Achava que não ganharíamos, mas nós ganhamos. Na primeira entrevista que eu dei depois do congresso, eu disse: “São três coisas. O PT vai assumir que é governo”, porque o PT fazia oposição a seus próprios governos; “o PT vai se abrir para a sociedade”, porque o PT estava fechado; “e o PT vai fazer alianças. O PT vai virar uma instituição”. E eu comecei a trabalhar para isso, projetando a eleição de 1998. E nós perdemos a eleição de 1998, por uma série de razões. De 1999 para 2002, consolidamos o que vínhamos aplicando desde 1987, que era transformar o PT em um partido que fizesse alianças, que tivesse um programa para o Brasil de 2002, para os problemas brasileiros e do mundo em 2002, e que o PT se comportasse como uma instituição política. E ganhamos a eleição. A Carta ao Povo Brasileiro… Eu diria que ela era quase desnecessária. Mas foi uma espécie de seguro, para o caso de acontecer uma campanha de terrorismo contra nós e nós perdermos a eleição por uma incompreensão do nosso discurso.
Mas ela inverte a tendência de revoluções dos congressos do PT.
Mas o governo não inverteu. Porque o governo teve que fazer o ajuste fiscal que era necessário, ficou conservador por excesso na política econômica, depois retomou o caminho. Depois da reeleição do Lula, retoma o caminho.

Estamos, aqui no Rio Grande do Sul, do lado da Argentina e do Uruguai. Como o senhor analisa essa posição estratégica, e a atuação do governo Tarso dentro dessa conjuntura?É natural que o Brasil e a América do Sul se integrem. Em energia, em telecomunicações, em estrutura, transporte ferroviário e rodoviário. Que haja um mercado comum, mais ou menos livre, e que haja instituições comuns quanto à legislação ambiental, trabalhista, social, câmaras de arbitragem, parlamentos, governos. Que esses países se articulem de forma conjunta, como estão fazendo agora, com a crise internacional. E acho que o Brasil é o maior beneficiado com isso, porque o Brasil está se transformando em um exportador de capital, tecnologia e serviços para a América do Sul. Não é só comércio, é bem mais do que isso. Depois, nós temos uma integração política e cultural. Acho que tudo isso é fundamental e que o Rio Grande do Sul tem que ocupar seu lugar, porque o Rio Grande do Sul é uma porta para o Mercosul e é o estado brasileiro mais próximo da cultura e da história américo-espanhola. Eu conversei com o governador Tarso Genro sobre isso, acho que o Rio Grande do Sul tem que assumir a vanguarda. Em relação ao governo do Tarso, eu faço uma excelente avaliação. Em primeiro lugar, a vitória dele em primeiro turno é um fato histórico. Em segundo lugar, o PT retomar o governo com uma vitória em primeiro turno não deixa de ser uma confirmação da nossa política de alianças. Por um caminho que não pode ter sido igual (ao do governo Lula), mas é. Terceiro lugar, é uma aliança política que pode superar a crise fiscal que o estado vive e, ao mesmo tempo, atender as demandas populares. É uma aliança popular e empresarial sólida, tem capacidade de pensar o estado com relação a políticas sociais também. Eu acredito que o Rio Grande do Sul tem um potencial fantástico, e que o Tarso tem liderança e capacidade para enfrentar isso. É um momento difícil, porque o estado depende de indústrias que estão sob a concorrência direta externa, por causa do câmbio e tudo isso. E acho que a solução da crise fiscal do estado é possível. Tem que negociar com o governo federal uma série de questões que o estado tem pendentes…
Dá para renegociar a dívida?
Acho que sim. A dívida é uma questão que eu entendo que tem que abater o juro pela metade, reduzir e trocar o indicador, que é o IGPM, para INPC. Mas isso depende inevitavelmente de um acordo com os governadores e do Congresso aprovar. Não pode pedir para a presidenta fazer isso, tem que discutir no Congresso. O Rio Grande do Sul não é um estado que dependa tanto disso, porque é um estado industrial-agrícola, forte, organizado… Tem estados brasileiros que não aguentam pagar 17% da receita líquida em serviços da dívida interna, isso arruína o estado, inviabiliza. Renegociando a dívida, os estados vão crescer mais e investir mais. Com isso, arrecadação estadual e federal vai crescer e o que for abatido dos 17% vai voltar em crescimento da arrecadação da União. Não sei a posição do governador, estou falando da minha opinião. Mas os investimentos vão crescer muito no RS, a economia do RS tem dinamismo para encarar. Talvez seja o momento de olhar mais para a América do Sul. Os governos têm que tomar a frente da integração, por isso que eu defendo uma postura mais pró-ativa. O Lula, na verdade, é visionário porque ele praticamente consolidou a ideia política da integração. O Brasil, como é o maior país, tem que ser generoso, tolerante e fazer concessões. Não adianta, até porque custa mais caro para nós não fazer. E o Brasil é interessado nisso.

E as eleições de 2012 em Porto Alegre? O PT estuda apresentar candidato próprio, mas pode também fazer uma aliança com Manuela D’Ávila ou mesmo com José Fortunati. O que o senhor pensa sobre isso?Acho que o PT tem que apresentar candidato, como o PSB e o PCdoB vão apresentar. Pelo menos, é o que eu sinto. O PDT tem um candidato, e o PMDB vai apoiar esse candidato. A tendência é essa. Então, existe depois uma disputa um pouco de outros partidos, como o PP e PTB. Quem vai ser o candidato? Isso nós podemos negociar. A tendência do PT é sempre ter candidatura própria. Tem que analisar o quadro nacional, o quadro aqui, o segundo turno… Eu não tenho nenhum preconceito em apoiar uma candidata como a Manuela, desde que seja do interesse da nossa política aqui no estado, da nossa política nacional e tudo o mais. Mas quem tem que decidir é o PT de Porto Alegre, são os filiados, a prévia. Candidatos nós temos, não é por falta de candidato. Tem que analisar as variantes. Quem vai ser, o tempo dirá, mas acho que o PT tem que ter um nome, que não podemos deixar de ter um nome, mas também abertura para fazer uma aliança se concluir que é a melhor decisão. E aí o PT daqui tem maturidade e experiência. Não sou eu que vou pretender falar para um partido que ganhou a eleição estadual em primeiro turno o que deve ser feito.

domingo, 14 de agosto de 2011


Vale terá universidade federal



A decisão política está tomada pela presidente Dilma Rousseff. O Vale do Itajaí vai ter a sua universidade federal. No primeiro momento, como extensão da Universidade Federal de Santa Catarina. Indefinido ainda se como uma extensão diferenciada ou como mais um “campus” fora da capital.
Identificada como uma das principais aspirações da comunidade de Blumenau e dos municípios do Vale do Itajaí, a universidade federal será oficialmente fundada na próxima terça-feira, dia 16 de agosto, em Brasilia. Vai acontecer no Palácio do Planalto com a assinatura de criação pela presidente Dilma Rousseff. O prefeito João Paulo Kleinubing e o reitor da Furb, João Natel, estarão presentes com outras lideranças.
Novos detalhes sobre este acontecimento histórico para o Vale do Itajaí e para o ensino superior catarinense foram examinados no gabinete de Relações Institucionais entre a ministra Ideli Salvati, o professor Henrique Paim, secretário executivo do MEC, e os deputados Décio Lima e Ana Paula Lima, ambos do PT.
A decisão da presidente da República tem um significado politico muito mais amplo do que a nova semente acadêmica que se lança em Blumenau. Ninguém tem dúvidas de que a criação de uma universidade federal e, especialmente, a federalização da Furb, constitui hoje uma reivindicação unânime das forças políticas e de toda a população.
A bandeira da federalização esteve presente durante a campanha presidencial do ano passado. Na última visita a Blumenau, a presidente Dilma Rousseff recebeu do prefeito de Brusque, Paulo Eccel (PT), um documento assinado por todos os prefeitos do Vale, contendo as três principais aspirações da região: federalização da Furb, mais rapidez na duplicação da BR-470 e agilidade na tramitação dos processos habitacionais pela Caixa Econômica Federal. O prefeito João Paulo Kleinubing(DEM) falou pelos subscritores e destacou que os pedidos representavam bandeiras com respaldo unânime das comunidades.











13 de agosto de 2011

Na recente visita a Blumenau, a presidente Dilma Rousseff avocou para seu gabinete a solução dos três problemas. A Caixa mudou a direção na região, o projeto de duplicação da BR-470 está em fase de conclusão e a universidade está sendo oficialmente criada.
Sinal positivo de novos tempos. Além de comandar uma faxina inédita nos órgãos federais corroídos pela corrupção, a presidente revela-se uma gestora eficiente uma liderança política que cumpre o prometido. E com uma elogiável velocidade, fato raro na administração pública em seus três níveis.
João Paulo Kleinubing e Décio Lima são as duas principais lideranças políticas de Blumenau e do Vale. Adversários nas últimas eleições uniram esforços e procuraram somar em torno da nova universidade.
O deputado federal teve a definição de que num primeiro momento haverá a expansão da Ufsc no Vale. Mas continua defendendo a incorporação do patrimônio físico, intelectual e humano da Furb como futuro da nova instituição superior. A unidade prevista deve começar com 10 novos cursos e cerca de 5 mil alunos. Décio Lima mantém o sonho de federalização da Furb.
Esta é rigorosamente a mesma posição do prefeito João Paulo Kleinubing. A Furb é uma fundação municipal, mas paga-se com a mensalidade dos alunos. A Prefeitura contribuiu anualmente com mais de um milhão de reais em forma de bolsas de estudos, com critérios fixados pela própria fundação.
A federalização da Furb, segundo Décio e Kleinubing, vai exigir mobilização futura das lideranças de Santa Catarina. O deputado ouviu no MEC que o ensino superior está dividido no Brasil entre o público federal, com 25%, e o privado, entre fundações e particulares, com 75%. O governo teme fortes pressões políticas irresistíveis de outros Estados se promover logo a federalização.

Blog do Moaciar Pereira

terça-feira, 9 de agosto de 2011




Dilma, a nova fase


Cláudio Lembo
De São Paulo



Para Lembo, a presidente "tem componentes diferentes dos operadores políticos de todos os tempos" (foto Roberto Stuckert Filho/PR/Divulgação)


Em todos os ambientes, quando se fala em política, coloca-se uma pergunta: como vai o governo Dilma? É natural a indagação. No presidencialismo, mais que no parlamentarismo, a figura do supremo mandatário tem importância expressiva.
O Parlamento, por mais que mostre vocação cívica, jamais consegue atingir o espaço de expressão do Executivo. O Judiciário, apesar do atual ativismo, ainda é poder que exige provocação para agir.
O Executivo, ao contrário dos demais poderes, está sempre presente na vida do cotidiano das pessoas. A cidadania acompanha com acuidade todos os atos do mandatário. Eles repercutem no dia-a-dia de cada cidadão, mesmo que não incidam diretamente sobre os seus interesses imediatos.
Dilma Rousseff atingiu a Presidência da República como reflexo de uma personalidade carismática e bem sucedida. Mais ainda. Respeitada por todas as classes sociais, salvo poucas exceções.
Suceder a Luiz Inácio Lula da Silva seria tarefa difícil para o mais experiente político, mais dificuldade encontra um quadro técnico acostumado à direção direta de seus subordinados e definição precisa dos objetivos.
A política é caleidoscópio. Jamais é possível aquilatar a próxima imagem. Tudo é mutável e a volubilidade das vontades humanas se apresenta no cenário político com enervante constância.
Compreensível, pois, a idas e vindas dos primeiros meses do atual governo. Só encontrou situações complexas. Lula, o líder sindical, é homem de conflitos e acordos transitórios.
Uma técnica, que sempre ocupou cargos administrativos, não pode utilizar o mesmo meio de convicção. Não possui tradição política e nem sequer atrativo para falar sem atingir conclusões.
Daí as pequenas crises, particularmente no trato dos assuntos ministeriais. Agiu mal, cai. Esta forma de atuar não era habito no período presidencial anterior e nem sequer faz parte dos hábitos políticos brasileiros.
O costume - diga-se de passagem, secular - é transigir e conciliar. Tudo acontece mediante conciliação. Nunca se vai às últimas conseqüências. Dilma rompeu a maldição.
É claro que determinados segmentos se encontram incomodados. No entanto, é possível que a presidenta esteja inaugurando um novo ciclo na política nacional.
Colocar as coisas no devido lugar. Fazer com que os fatos se tornem claros, as falcatruas expostas e seus autores exonerados é novidade que deixa perplexa muita gente.
O erro dos políticos tradicionais é nítido. Esqueceram de examinar a trajetória da presidenta Dilma. Ela sempre mostrou liderança e lutou, de maneira inequívoca, pela democracia e moralidade administrativa.
Ofereceu, em seu passado, em holocausto a dignidade humana o seu próprio sacrifício pessoal. Sofreu em sua a integridade física e perdeu a liberdade. Permaneceu com seus princípios.
Erram, pois, os políticos, inclusive os mais experientes que, em governos passados, ocuparam cargos relevantes nos poderes da República, em procurar agredi-la - e a seu governo - com palavras ou bravatas.
Dilma tem componentes diferentes dos operadores políticos de todos os tempos. Possui coragem e destemor. Não é carreirista. Quer exercer com dignidade seu mandato.
Se tudo isto não fosse suficiente, a democracia plena em que se vive não permite a presença da imoralidade administrativa e nem das velhas técnicas de desestabilização dos governantes.
A opinião pública sabe diferenciar com precisão os bons e os maus atos dos administradores. As boas e as más condutas dos políticos. Terminou a fase do quem pode leva.
Hoje, é preciso respeitabilidade para o exercício das funções públicas. A sociedade é implacável e acompanha cada movimento dos detentores de cargos nos três poderes da República.
Dilma age como quer a maioria da cidadania: preserva a dignidade do cargo e afasta firmemente os de conduta frágil. Tudo isto é novidade. Dai alguma perplexidade de seus adversários e dos analistas deformados pela paixão ou interesses.






Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.


Fale com Cláudio Lembo: claudio.lembo@terra.com.br


domingo, 7 de agosto de 2011

Dilma desarma a cilada


Nas últimas semanas, a oposição, orientada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pensou ter encontrado o remédio certo para confundir a opinião pública, rachar a base governista e desestabilizar a presidenta Dilma.
Sem Maquiavel. O nosso príncipe excogitou e fracassou. Foto: Renato Araujo/ABR
Por que FHC? Por ter ditado a palavra de ordem ao pregar a adesão da oposição à onda de demissões contra aliados do governo acusados de corrupção na sequência da intervenção feita no Ministério dos Transportes/Dnit. O ex-presidente conclamou a oposição a apoiar a faxina que Dilma supostamente promoveria ao longo de uma cruzada pelas virtudes.
Dilma chegou a garantir que a faxina não tinha “limites”.
Esse remédio sugerido pela oposição seria um veneno para o governo.
A equação é simples assim: a base oposicionista empurraria Dilma contra a base governista, levando adiante denúncias sem provas.
Até mesmo as pesquisas, que apontavam a aprovação da sociedade, tornam-se perigosas aliadas neste momento.
A sociedade está sempre disposta a apoiar as ações de faxina na administração pública. Esse foi um condimento forte, por exemplo, no processo de renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e também uma das razões que levaram Fernando Collor, o enaltecido “caçador de marajás”, ao impeachment, em 1992.
O “golpe moralista” é identificável por muito barulho por nada. E sempre promove a inversão de um dos princípios básicos da justiça democrática: a inversão do ônus da prova passa do acusador ao acusado.
A corrupção deve ser punida como qualquer dos outros crimes previstos nos códigos penais. Neles, porém, há o rito que começa com a denúncia e se sustenta com provas. O crime é julgado e o criminoso punido na forma da lei.
Mas não é isso o que ocorre com a denúncia, vazia de fatos, feita por Oscar Jucá Neto. Após ter sido demitido da diretoria financeira da Conab, ele desferiu ataques contra o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, do PMDB, sem apresentar provas, como admitiu a própria revista que veiculou a entrevista. Rossi é ligado ao vice-presidente, Michel Temer.
Tudo indica, no entanto, que a presidenta percebeu a cilada armada para ela.
Na terça-feira 2, durante lançamento do programa da nova política industrial do governo, no Palácio do Planalto, Dilma deu sinais de que vai adotar a dose certa e transformar o veneno da oposição em remédio: “O governo não irá abraçar nenhum caso de corrupção, mas o governo também não se pautará por medidas midiáticas no combate à corrupção”.
Essa bandeira os oposicionistas empunham, sem sucesso, desde o “mensalão” (2005), um nome fantasia, bem bolado, dada à prática de arrecadação ilícita de dinheiro para financiar a campanha política de alguns e para enriquecer outros.
A corrupção é uma epidemia mundial. Por aqui, tanto no “Brasil de cima” quanto no “Brasil de baixo”, valendo-me da expressão cunhada pelo poeta cearense Patativa do Assaré, há o sentimento de que o mundo político é só corrupção e contamina todos os níveis de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Talvez seja. Afinal, essa semente germina na própria sociedade. É regada por corruptos e corruptores. Daí se concluir inversamente que em uma sociedade virtuosa não brotaria um mundo político corrompido.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Por Mouzar Benedito.
Com essa história de Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, querer criar um partido que não é de esquerda, não é de direita e não é de centro (é etéreo?), fiquei me lembrando da reforma partidária ocorrida no fim da ditadura, quando só existiam dois partidos legalizados: A Arena (Aliança Renovadora Nacional), do governo, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), de oposição consentida mas que de vez em quando se levava a sério.
E lembrei-me também dessa história de alguns partidos que atraem artistas e atletas populares, esperando que com os votos deles sejam eleitos mais alguns parlamentares que pertencem realmente ao partido ou à coligação, o que deu certo no caso recente do Tiririca, mas às vezes é um tiro no pé, como aconteceu com Ademir da Guia, eleito vereador de São Paulo pelo PCdoB, há tempos.
Como mais votado pela legenda, Ademir da Guia foi eleito, mas só ele, e ficaram de fora quadros do PCdoB, dos quais pelo menos um podia ter sido eleito no lugar do craque do futebol, se ele não tivesse concorrido. E o atleta não se incorporou de fato ao PCd B, logo pulou para outra legenda, deixando o partido sem nenhum vereador, sequer para abrigar militantes na assessoria…
Bom, voltando aos tempos do fim da ditadura, um dos candidatos a vereador em São Paulo, pelo MDB, foi Mário Américo, massagista da seleção brasileira de futebol. Já escrevi sobre isso em algum lugar, mas acho divertido lembrar.
A campanha de Mário Américo não tinha nenhum “papo cabeça”, era uma espécie de “papo mão”: as mãos que massagearam Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos e outros gênios do futebol da Copa de 1958, quando o Brasil foi campeão pela primeira vez.
Colou. Mário Américo foi eleito. O MDB lhe proporcionou assessores que criaram até projetos de lei interessantes.
Aí veio a reforma partidária. A Arena virou PDS (Partido Democrático Social), o MDB virou PMDB, e surgiram o PT, o PDT e o PTB.
Mário Américo foi cooptado por Paulo Maluf e, em vez de ir para o PMDB, foi para o PDS. Acontece que um projeto de lei dele, dos tempos de oposição, chegou à fase de votação quando ele já era do PDS, e o tal projeto contrariava os interesses do prefeito Reynaldo de Barros, malufista, nomeado pela ditadura. E aconteceu a aberração: Mário Américo votou contra um projeto de lei de autoria dele mesmo.
Um vereador do PMDB, indignado, fez um discurso cheio de impropérios, com adjetivos nada edificantes, contra o vira-casaca. Mário Américo, no plenário, levantou bravo e gritou com o dedo em riste:
― Vossa excelência está ofendendo a minha excelência!
***
Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças-feiras. 

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O novo Ensino Médio


As mudanças que entrarão em vigor ainda em 2011 apontam para a valorização da pesquisa e maior liberdade curricular por parte das escolas
Foi pensando nas grandes mudanças tecnológicas e na velocidade com que a informação se propaga nos dias de hoje é que o Conselho Nacional de Educação (Conae) promoveu debates que culminam agora nas mudanças das diretrizes nacionais para o Ensino Médio brasileiro. Dois pontos se destacam entre as mudanças. Primeiro, o incentivo à pesquisa por parte dos estudantes, que passam a precisar mais dos professores para ajudá-los a procurar o conhecimento em vez de simplesmente ouvir o conteúdo deles. Segundo, a maior autonomia das escolas ao formatar a grade curricular, tanto na forma do conteúdo quanto no tempo de formação do Ensino Médio – por exemplo, os estudantes noturnos podem se formar em quatro anos em vez de três.
Para entender às novas sugestões, Carta na Escola entrevistou José Fernandes de Lima, relator da proposta das novas diretrizes e membro do Conae desde 2008. Alagoano de Maceió, José Fernandes teve a trajetória na área de Exatas, formando-se em Fisica na UFPE e, posteriormente, concluindo seu mestrado e doutorado nesta área na USP. Foi chefe do departamento de Física da Universidade Federal do Sergipe (UFSE), diretor de programas da Coordenação de Aperfeiçoa-mento Pessoal de Nível Superior (Capes) e secretário de Educação de Sergipe entre 2007 e 2010 na primeira gestão do governador Marcelo Déda (PT).
Nesta entrevista, José Fernandes de Lima ressalta que o foco do projeto é criar uma identidade para o Ensino Médio e corrige a interpretação, veiculada por parte da imprensa, de que teremos uma divisão por áreas, como ocorria antigamente. “A escola precisa contemplar as quatro dimensões do ensino: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. Os mais antigos lembram-se de quando tínhamos o colegial dividido (entre Clássico e Científico), e isso gerou uma confusão de que teríamos um Ensino Médio temático com essas áreas. Não haverá divisão. Pelo contrário, o Ensino Médio tem de contemplar todas elas”, diz.
Carta na Escola: O Ensino Médio é, atualmente, a etapa da educação brasileira com piores índices de qualidade. Qual é exatamente o problema com ele?
José Fernandes de Lima: Não concordo exatamente com essa afirmação. Pode até haver problemas nos índices atuais, mas, se compararmos com o passado, veremos que o Ensino Médio evoluiu bastante. O Brasil, historicamente, trabalhou com uma educação excludente. Até o começo da década de 1990, tínhamos menos de 4 milhões de alunos nessa etapa da educação. Agora já temos mais de 8 milhões, e ainda temos números difíceis, com 15% da população de 15 a 17 anos que não está conseguindo entrar nas escolas desse nível. Só 50% dos matriculados estão na idade correta. Isso não significa que esse quadro é pior do que era antes, porque, antigamente, nem tínhamos as pessoas na escola. Diz-se que o Ensino Médio não é bom porque a sociedade se dá conta disso. Avançamos muito nos últimos 20 anos no que tange a inclusão, e isso torna mais claro o ponto de vista do sucesso ou falta dele entre os alunos. Então, houve evolução.
CE: E quais são os focos das novas diretrizes para o Ensino Médio?
JFL: Pensamos que o currículo deva contemplar quatro dimensões: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. Na medida em que esses pilares forem realmente debatidos nas escolas, teremos um Ensino Médio mais próximo dos estudantes e diminuiremos a evasão, aumentaremos o entusiasmo e a qualidade. Algumas pessoas confundiram que as quatro dimensões seriam uma volta ao colegial antigo (dividido entre Clássico e Científico). Mas não é nada disso, é um Ensino Médio só.
CE: Então não teremos essa divisão entre quatro tipos de Ensino Médio? Houve quem interpretasse assim, inclusive na imprensa…
JFL: É verdade, mas não estamos propondo que o aluno tenha quatro alternâncias de escolha. É o contrário: o Ensino Médio tem de contemplar todas as quatro dimensões. Só assim ele vai atender aos interesses das pessoas. Antigamente, o Brasil já tinha essa divisão no colegial, mas viu-se depois que não dava certo. Quem entendeu desse jeito é porque estava lembrando de como era. Não queremos nem mesmo a divisão entre o ensino técnico e de vestibular. Mas a parte de formação para profissionais no ensino técnico terá diretrizes próprias.
CE: Qual é o objetivo do Conselho Nacional de Educação ao propor autonomia escolar para montar projetos pedagógicos?
JFL: O objetivo é bem mais amplo do que simplesmente discutir a questão de ampliação e flexibilização da grade curricular. O que movimentou o CNE para atualizar as diretrizes nacionais curriculares do Ensino Médio é o fato de vivermos num mundo de grandes transformações tecnológicas e de grande quantidade de conhecimento gerado através das comunicações e tecnologias de informação. Isso leva a escola a se repensar. Significa que ela está deixando de ser a única fonte geradora de conhecimento e, como tal, tem de se estruturar para atender os jovens. E se isso é verdade para a educação de um modo geral, é muito mais verdade para o Ensino Médio, porque é a fase em que as pessoas estão tomando decisões para o futuro. Então, a escola tem de atender ao projeto de vida do estudante. Praticamente, todos os países hoje estão repensando a estratégia educacional baseando-se nisso, embora aqui estejamos traçando um caminho próprio.
CE: Já que falamos em ensino técnico, o MEC apresentou agora o Pronatec, em que pretende aumentar consideravelmente o número de formandos no Ensino Médio técnico em médio prazo. Onde entra o ensino técnico nessa nova proposta?
JFL: Essas diretrizes vão tratar especificamente dessa área, e não estou por dentro. Vou aguardar as reuniões do Conselho sobre o tema. Aí, sim, entenderemos todo o conjunto.
CE: E o que esse novo Ensino Médio deve corresponder?
JFL: Primeiro, ela tem de ser universal. Segundo, existe a forte concepção de que a boa escola é a que se volta para a formação do cidadão e que prepara o estudante para o mundo do trabalho – e, com isso, estamos automaticamente dizendo também que não deve mais prevalecer a divisão da escola entre a preparação para o vestibular e para o trabalho. Ele tem de ter essas características mistas, uma nova identidade. E para a escola ter identidade, ela precisa ter flexibilidade para atender a demandas regionais. Ao mesmo tempo em que precisa se preparar para o uso da tecnologia, precisamos que ela não abra não dos valores, do comportamento ético, da sustentabilidade e da promoção dos direitos humanos.
CE: Já existe dificuldade de fiscalização da qualidade das escolas no País. Não seria mais difícil fiscalizá-las a partir do momento em que elas tenham mais liberdade de mexer no currículo?
JFL: Isso é bem importante. Democraticamente, essas diretrizes devem nortear as especificidades das escolas para que atendam as características de sua região. Só que temos as avaliações nacionais, investimentos nacionais em material didático e os investimentos em professores. Então, uma vez definida a identidade da escola, teremos um sistema de avaliação que interpretará se a estratégia de cada escola está dentro dos limites exigidos. Veja, existem as áreas do conhecimento exigidos por lei: Linguagem, Ciências da Natureza, Matemática etc. A liberdade das escolas está no comportamento em sala de aula, mas tudo isso deve seguir dentro dela.
CE: E como será o tratamento com a escola que não consegue se desenvolver?
JFL: Entendemos que a fiscalização da escola não deva ser usada para premiar ou para punir, mas apenas para acompanhar suas estratégias, e que, quando necessário, façamos a correção de rumo. Se não vai bem, façamos novos investimentos, chamamos o sistema para a discussão- e para tratar novos planos para ela.
CE: A mudança nas diretrizes também dá importância ao incentivo à pesquisa, confere?
JFL: A pesquisa deve ser um princípio pedagógico, o que mudaria a forma rígida de se trabalhar em sala de aula. As pessoas associam o termo “pesquisa” à existência de grandes laboratórios. O que temos de incentivar é o comportamento de pesquisa em sala de aula. Em vez de dar o assunto pronto aos alunos, queremos que o professor promova a procura desse conhecimento por parte do aluno, que ele pesquise e descubra,- que trabalhe em grupo, que aprenda a aprender.
CE: No projeto que o senhor apresenta, quais as especificidades para o Ensino Médio noturno?
JFL: Neste ponto é importante providenciar formas de organização que permitam que os alunos desse período, que normalmente trabalham o dia todo, tenham todo acesso ao ensino e o concluam. Então há flexibilização de carga horária, mas isso também funciona para o período diurno. Quem estuda de manhã pode usar a alternativa de ampliação de carga horária à tarde. Já os estudantes noturnos podem se formar em quatro anos em vez de três, por exemplo, ou então em três anos e meio. Também incentivamos o ensino a distância – se houver a disponibilização do conteúdo por meio da internet, por exemplo, então que isso seja mais uma opção de aprendizagem.
CE: E em que pé está a aprovação das mudanças? Quando entrariam em vigor?
JFL: O documento já foi aprovado na Câmara de Educação Básica do Conae. Passou agora por uma revisão técnica e foi encaminhado para o MEC, que deverá homologar. Na sequência deverá publicar essa diretriz no Diário Oficial, chegando ao conhecimento de conselhos estaduais e municipais e de escolas. Esse documento é fruto de um grande debate que começou em 2010 e que foi discutido com representantes de professores, de estudantes, secretários de estado, especialistas e do MEC. Conta com apoio considerável.

O complexo de vira-lata


Até os jornais brasileiros tiveram de noticiar. Uma força-tarefa criada pelo Conselho de Relações Exteriores, organização estreitamente ligada ao establishment político/intelectual/empresarial dos Estados Unidos, acaba de publicar um relatório exclusivamente dedicado ao Brasil, -pontuado de elogios e manifestações de respeito e consideração. Fizeram parte da força-tarefa um ex-ministro da Energia, um ex-subsecretário de Estado e personalidades destacadas do mundo acadêmico e empresarial, além de integrantes de think tanks, homens e mulheres de alto conceito, muitos dos quais estiveram em governos norte-americanos, tanto democratas quanto republicanos. O texto do relatório abarca cerca de 80 páginas, se descontarmos as notas biográficas dos integrantes da comissão, o índice, agradecimentos etc. Nelas são analisados vários aspectos da economia, da evolução sociopolítica e do relacionamento externo do Brasil, com natural ênfase nas relações com os EUA. Vou ater-me aqui apenas àqueles aspectos que dizem respeito fundamentalmente ao nosso relacionamento internacional.
Logo na introdução, ao justificar a escolha do Brasil como foco do considerável esforço de pesquisa e reflexão colocado no empreendimento, os autores assinalam: “O Brasil é e será uma força integral na evolução de um mundo multipolar”. E segue, no resumo das conclusões, que vêm detalhadas nos capítulos subsequentes: “A Força Tarefa (em maiúscula no original) recomenda que os responsáveis pelas políticas (policy makers) dos Estados Unidos reconheçam a posição do Brasil como um ator global”. Em virtude da ascensão do Brasil, os autores consideram que é preciso que os EUA alterem sua visão da região como um todo e busquem uma relação conosco que seja “mais ampla e mais madura”. Em recomendação dirigida aos dois países, pregam que a cooperação e “as inevitáveis discordâncias sejam tratadas com respeito e tolerância”. Chegam mesmo a dizer, para provável espanto dos nossos “especialistas” – aqueles que são geralmente convocados pela grande mídia para “explicar” os fracassos da política externa brasileira dos últimos anos – que os EUA deverão ajustar-se (sic) a um Brasil mais afirmativo e independente.
Todos esses raciocínios e constatações desembocam em duas recomendações práticas. Por um lado, o relatório sugere que tanto no Departamento de Estado quanto no poderoso Conselho de Segurança Nacional se proceda a reformas institucionais que deem mais foco ao Brasil, distinguindo-o do contexto regional. Por outro (que surpresa para os céticos de plantão!), a força-tarefa “recomenda que a administração Obama endosse plenamente o Brasil como um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É curioso notar que mesmo aqueles que expressaram uma opinião discordante e defenderam o apoio morno que Obama estendeu ao Brasil durante sua recente visita sentiram necessidade de justificar essa posição de uma forma peculiar. Talvez de modo não totalmente sincero, mas de qualquer forma significativo (a hipocrisia, segundo a lição de La Rochefoucault, é a homenagem que o vício paga à virtude), alegam que seria necessária uma preparação prévia ao anúncio de apoio tanto junto a países da região quanto junto ao Congresso. Esse argumento foi, aliás, demolido por David Rothkopf na versão eletrônica da revista Foreign Policy um dia depois da divulgação do relatório. E o empenho em não parecerem meros espíritos de porco leva essas vozes discordantes a afirmar que “a ausência de uma preparação prévia adequada pode prejudicar o êxito do apoio norte-americano ao pleito do Brasil de um posto permanente (no Conselho de Segurança)”.
Seguem-se, ao longo do texto, comentários detalhados sobre a atuação do Brasil em foros multilaterais, da OMC à Conferência do Clima, passando pela criação da Unasul, com referências bem embasadas sobre o Ibas, o BRICS, iniciativas em relação à África e aos países árabes. Mesmo em relação ao Oriente Médio, questão em que a força dos lobbies se faz sentir mesmo no mais independente dos think tanks, as reservas quanto à atuação do Brasil são apresentadas do ponto de vista de um suposto interesse em evitar diluir nossas credenciais para negociar outros itens da agenda internacional. Também nesse caso houve uma “opinião discordante”, que defendeu maior proatividade do Brasil na conturbada região.
Em resumo, mesmo assinalando algumas diferenças que o relatório recomenda sejam tratadas com respeito e tolerância, que abismo entre a visão dos insuspeitos membros da comissão do conselho norte-americanos- e aquela defendida por parte da nossa elite, que insiste em ver o Brasil como um país pequeno (ou, no máximo, para usar o conceito empregado por alguns especialistas, “médio”), que não deve se atrever a contrariar a superpotência remanescente ou se meter em assuntos que não são de sua alçada ou estão além da sua capacidade. Como se a Paz mundial não fosse do nosso interesse ou nada pudéssemos fazer para ajudar a mantê-la ou obtê-la.