domingo, 6 de fevereiro de 2011


Pais superprotetores


Eles insistem em criar os filhos 
sem limites ou frustrações, tudo permeado pelo 
prazer absoluto. O problema é que a vida não é assim
Por Leonardo Posternak
João, de 6 anos, está caminhando de mãos dadas com
 seu pai. Acabou de ter uma violenta briga
 com seu amigo do coração, por motivos banais
 de desentendimentos em uma brincadeira. 
Pai e filho vão calados, resmungando. 
De pronto o menino pergunta ao pai: 
‘O que é a liberdade?’ 
Ele queria compreender o que tinha acontecido. 
O pai, preocupado e distraído, contesta rápido
 e impensadamente: 
‘É fazer o que a gente quer’. 
João escuta pensativo e olhando nos 
olhos do pai interpela:
 ‘Ah! Mas não com os outros, né?’”
Pequena e profunda, essa história levanta 
várias articulações: entre o sujeito e o outro,
 entre a pulsão e a ética, entre o desejo e o limite, 
entre a liberdade e o direito. Nos faz pensar que
 tão importante quanto educar é não deseducar.
 O exemplo é o âmago do texto que segue a continuação.
É lícito que cada família eduque seus filhos
 embasada em sua história, seus modelos, sua cultura,
 sua experiência e suas possibilidades. 
Talvez seja por isso que a educação das 
crianças se torne um fator instigante para
 a reflexão interdisciplinar e demande uma relação
 estreita entre a família, a escola e a pediatria. 
Mas existe um aspecto universal da educação
 que podemos sintetizá-lo em duas perguntas: 
o que esperar da educação 
que damos aos nossos filhos?
 E o que podemos lhes transmitir?
A resposta teórica deve ser quase unânime: 
basicamente, devemos lhe oferecer 
ferramentas para sua socialização. 
Transmitir-lhes uma cidadania possível. 
A resposta, na prática cotidiana, perde a unanimidade,
 e as certezas viram dúvidas ou impasses.
 Justamente por não ser o resultado mágico
 de um ritual
 – na nossa cultura não existe um ato simbólico 
que introduza a criança no estatuto do adulto.
 Ou o aprendizado através de um manual. Do tipo: 
“Como educar seu filho em dez capítulos”.
 A educação para cidadania se dá por caminhos longos, 
incertos dentro de um equilíbrio instável entre 
a esperança (promessas) e frustrações (deveres).
Quando se trata de educar, de maneira imediata
 e estereotipada, se faz presente uma contradição
 entre o excesso e a falta de algo que não
 sabemos bem o que é. E assim coloca os 
pais e educadores em dúvida em respeito à medida
 “desse algo” desconhecido. 
Podemos exemplificar esse conceito: 
crianças bem educadas/crianças mal-educadas,
 crianças abandonadas/superprotegidas,
 repressão demais/ repressão de menos, 
crianças que têm tudo/crianças que não têm nada. 
Bater, acariciar, castigar, prometer. 
Prevalecer sem humilhar,
 manter a autoridade sem autoritarismo. 
Permitir o prazer sem perder a disciplina,
 manter a disciplina sem 
perder prazer. O que fica de tudo: lógica demais,
 informação de menos ou
 demasiada informação sem lógica.
O ponto de partida dessa contradição é o fato
 de os pais terem que transmitir a demanda social, 
além de seu desejo. Ao mesmo tempo, a sociedade 
e a cultura exigem que os pais encaminhem seus
 filhos pelos caminhos limitados, pelas normas,
 convenções sociais e leis de sua conveniência.
 A isso se chama educar. Sigmund Freud há mais 
ou menos cem anos escreveu sobre o assunto
 ao falar do narcisismo em um trabalho intitulado
 Sua Majestade, o Bebê. Nela, Freud afirma 
que os pais almejam para seus filhos o prazer,
 a realização e a felicidade que muitas vezes eles 
mesmos não conseguiram para si próprios.
Os pais insistem em criar os filhos sem limites, 
sem frustrações, tudo permeado permanentemente
 pelo prazer absoluto e com imensa proteção, 
como se pudessem criar uma exceção 
para seu “reizinho”. O problema é que ficam reféns
 da demanda social.
O paradoxo fica ainda mais terrível e perigoso
 se os pais não conseguirem entender que os
 indivíduos e as famílias estão imersos
 em comunidades. Não são ilhas isoladas e 
paradisíacas, com leis próprias.
 Podemos reconhecer outro paradoxo 
antipedagógico nas famílias modernas:
 sem questionamento, se apropriam dos
 princípios da revolução francesa para
 seu funcionamento: “Igualdade, 
fraternidade e liberdade”.
O justo clamor popular, ante a um reinado 
autoritário e injusto, se torna algo devastador

 ao se tratar da educação dos filhos.
 A família deve ser hierárquica, não um sistema
 igualitário, e deve funcionar com a
 necessária autoridade dos pais. 
A família não é composta só de irmãos:
 os elementos são diferentes e os pais são
 guardiães das normas de funcionamento.
 Por último, a liberdade não é libertinagem.
 Qual a medida da liberdade?
 Deve-se permitir que a criança
 faça tudo o que quiser?
 Não, jamais. Os pais têm de optar em ser adultos
 – alguém tem de fazer isso. 
Para uma criança querer crescer, 
tem de existir o desejo, e o desejo 
só surge quando existe uma falta.
 As crianças que conseguem tudo
 não têm motivo para crescer porque 
não têm nada a desejar.
Nós, humanos, ao nascer estamos
 influenciados pelo princípio do prazer, 
somos hedonistas. 
No 

começo da vida assim deve ser: 
receber cuidados, comida, amor para
 poder ficar seguros no Éden.
 Logo a seguir, a educação e o relacionamento
 com os adultos amados nos introduzem no 
princípio de realidade e assim perdemos o paraíso,
 porque alguém impõe limites, provoca algum grau 
de frustração e corta os excessos.
 A educação se faz apesar do desejo.
 Para a mãe, o desejo é de ser tudo para 
o filho e que o filho seja tudo para ela.
 Nessa hora, deve aparecer a função paterna,
 que é de corte entre a mãe e o filho. 
Na nossa cultura, para as crianças,
 a bandeira da autoridade está na mão do pai.
 Se ele consegue que a mãe não seja tudo para
 o filho e que ele não seja tudo para ela,
 os dois vão precisar de outra coisa.
 Ou seja: a ação do pai os leva a desejar. 
A educação então se faz não através do desejo, 
mas apesar dele.
Dá para imaginar os problemas que surgem 
quando o pai não tem condições de assumir
 sua função e simplesmente se demite ou fica
 eclipsado. A tarefa educativa não aceita a renúncia:
 sem o exercício de um dever, não existe a promessa
 do gozo. O desejo humano só existe na medida
 em que os limites impostos nos constituem 
em sujeitos culturais. Não sendo assim, teríamos
 uma vida intuitiva movida pelos impulsos.
Como regra geral, os pais devem ter cuidado 
para não usar uma dupla mensagem: 
não estimular a difundida lei macunaímica
 de ser espertos e levar vantagem em tudo. 
Devem também falar sempre a verdade – 
é um direito dos filhos –, ensinar a respeitar
 as diferenças etc. Este tema é uma das últimas 
utopias que, pela sua nobreza, vale a pena lutar.
 Mudar a criança na família, mudar a família 
na sociedade, é permitir então que essas
 crianças mudem o mundo.

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