domingo, 27 de fevereiro de 2011

João Luís de Almeida Machado Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

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Leitura, a base da Cidadania
"Dora é professora aposentada. Vive sozinha em um pequeno apartamento de classe média no Rio de Janeiro. Como o dinheiro é insuficiente, escreve cartas para analfabetos na estação Central do Brasil. Cobra R$ 1 pela redação e mais R$ 1 pelo envio. Via de regra, as histórias de vida que leva ao papel traduzem o desassosego e as esperanças de pessoas apartadas de suas famílias e de sua terra. E não resultam em comunicação, pois quase sempre terminam na lata do lixo. Ponto de partida de Central do Brasil (1998), filme de Walter Salles ganhador do Urso de Ouro em Berlim, a história de Dora (Fernanda Montenegro) e Josué (Vinicius de Oliveira), a quem ela socorre na busca pelo pai (...), espelha algumas questões centrais do acesso a leitura e ao letramento no Brasil." (Trecho do texto "Leitura - A grande travessia da Educação", Artigo de Rubem Barros, publicado na Revista Educação, nº 121, 05/2007)
Quando assisti "Central do Brasil" pela primeira vez senti o impacto que a produção apresentava enquanto elemento definidor de realidades de nosso país que muitos de nós, freqüentadores de cinemas, raramente conhecemos. Questões sociais e culturais emergiam da tela a partir do enfoque crítico e consciente de um privilegiado e sábio leitor da realidade chamado Walter Salles Jr. Não é a toa que o filme se tornou uma das referências do cinema brasileiro em nível mundial e que, de certa forma, alavancou a carreira de muitos outros cineastas dessa recente geração nacional de moviemakers.
Enquanto educador atuante e idealista, a imagem da professora Dora, com sua banquinha de cartas, posicionada estrategicamente na Central do Brasil, a "vender" o seu saber e a sua habilidade para escrever cartas para analfabetos que por ali circulavam foi deprimente e comprobatória de alguns importantes dados sobre o país.
O primeiro deles refere-se a desvalorização do trabalho dos professores no Brasil. A recente meta de base salarial nacional para os professores na casa dos R$ 950 (novecentos e cinqüenta reais) a ser atingida até 2010 já demonstra o quanto estamos distantes de uma realidade na qual a educação seja realmente considerada prioridade... Qualquer vendedor de cachorro-quente, manicure ou funcionário público que exerça funções de escriturário (ou cargos afins) ganha salários equivalentes a essa meta do governo federal...
Salários baixos não permitem atualização, estudo, pesquisa e maior comprometimento com a qualidade na educação. Para sobreviver, os professores assumem outros compromissos profissionais (dão aulas em várias escolas, vendem Avon, negociam tuppeware,...) e mal têm tempo de dar conta do básico em suas atividades nas escolas...
O segundo ponto marcante da produção de Walter Salles é o analfabetismo que obriga as pessoas na Central do Brasil a contratarem os serviços de Dora (pelos quais pagam e tem apenas parte do que lhes é prometido sendo cumprido, já que as cartas não são enviadas). Muitas foram as pessoas que me confessaram descontentamento com o fato de que o filme repercutia no exterior tendo grande número de espectadores... Diziam que essa imagem negativa do Brasil apresentada no filme pioraria ainda mais a já desgastada visão do país pelos estrangeiros...
O analfabetismo é uma realidade contundente em nosso país. Não há como negar esse fato. Até mesmo vários daqueles que foram alfabetizados tem dificuldade e desinteresse pela leitura e pelo conhecimento. O lugar comum em nosso país é a alienação e o conformismo. A educação de baixa qualidade que não permite aos nossos conterrâneos a plena aprendizagem da leitura de mundo preconizada por Paulo Freire nos condena a um eterno ostracismo entre as nações...
Não temos a consciência de que a educação constitui o elemento essencial da dignidade, do acesso ao trabalho, da criticidade e da inclusão política e social. Não entendemos que a leitura (das letras e do mundo) é a base da cidadania

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