segunda-feira, 6 de junho de 2011

Vadios

“Vadios”, é o título de comentário enviado por Márcio Roberto Góes. Seu texto: “Durante nossa greve, semana passada estivemos mobilizados no início de uma certa noite, no semáforo da parte baixa da Avenida Barão do Rio Branco, em Caçador, SC… Acompanhavam-nos faixas e cartazes expondo nossa indignação frente às atitudes de um governo estadual que não quer cumprir uma lei federal, fato que já constitui uma ilegalidade daqueles que deveriam lutar pelo cumprimento da lei, afinal foram eleitos pelo povo para representá-lo e defender seus princípios… Porém, existem outros interesses que precisam ser atendidos primeiro, principalmente daqueles que injetaram dinheiro, na maioria das vezes de procedência duvidosa, na campanha daquele que já foi eleito “co lombo” quente e obediente aos princípios do capitalismo que financiou seu pleito…
Lá estávamos nós, fazendo nossa parte, “botando a cara na rua”, pedindo que se cumprisse a lei… Muitos populares se aproximavam, alguns solidários à luta, outros de cara feia, afinal interrompíamos o caminho dos conformados… Virei-me, por um momento para trás e, por entre a vitrina de uma loja infantil que tem nome de bruxa, entre os manequins e mostruários, vi uma moça bonita, certamente vendedora, balbuciava algo de forma a deixar dúvidas sobre o fato de querer ser ouvida… Mas pude ler claramente em seus lábios: V a d i o s…
Pois bem, sou um vadio que passou a infância e adolescência numa família que precisava lutar diuturnamente pela sobrevivência até que um de seus filhos, após ser explorado num chão de fábrica, resolve abraçar a profissão que julgava a mais importante e digna de todas: Professor…
Sou um vadio que estudou todo o ensino fundamental em escola pública, tendo que juntar as moedinhas para comprar os materiais e livros didáticos que, na época, não eram fornecidos pelo governo… Alfabetizado pela própria mãe e complementado pelas cartilhas: Barquinho Amarelo, O menino azul e o livro: Português Dinâmico de quinta a oitava séries…
Sou um honorável vadio que cursou, com a mesma dificuldade, o magistério: quatro anos e meio de ensino médio me preparando para ser professor das séries iniciais… Aprendi lá, muita coisa que nem mesmo a faculdade me ensinou…
Este que vos escreve, é um digníssimo vadio, beneficiário do artigo 170, única opção para os menos abastados cursarem uma graduação no início dos anos 2000, ainda assim, com direito a apenas trinta por cento de desconto no valor das mensalidades…
Mas, a partir da primeira fase do curso de letras, sou um vadio, orgulhosamente atuante em sala de aula, com um infeliz intervalo de dois anos num cargo de confiança, que só me despertou desconfiança perante a politicagem que ainda impera nos bastidores desta política que só dá poder a quem já é poderoso e empobrece quem já é pobre…
Desde que me tornei educador, sou um vadio que trabalha quarenta horas semanais para garantir uma remuneração que não representa nem a metade daquilo que outros profissionais com o mesmo nível de graduação contemplam em seus contracheques…
Sou um magnífico vadio que investiu numa pós-graduação que me deu o título de especialista em análise e produção de texto, a fim de ajudar meus amados alunos a descobrirem o escritor em potencial que existe em cada um deles… Sou vadio do tipo que mostra a cara na rua e na capa do jornal com um único propósito: Dar uma aula de cidadania, com a ajuda de muitos companheiros que ainda alimentam o sonho de uma escola pública de qualidade…
Este magnífico escritor meia-boca encerra com um recado para esta querida vendedora, extensivo a todos que ainda nos incluem o adjetivo “vadio”: Se você tem um emprego digno hoje, se sabe se expressar a ponto de ser vendedora e ter vocabulário suficiente para convencer o cliente da qualidade daquilo se propõe a vender… Enfim, se você é uma cidadã de bem, entre outros, é graças aos vadios como eu que passaram pela sua vida quando esteve em sala de aula… Márcio Roberto Goes.”

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