segunda-feira, 9 de maio de 2011

“O Ensino Médio ainda está muito distante da realidade dos jovens brasileiros”


Relator das novas diretrizes do Ensino Médio aprovadas na última semana pelo CNE, José Fernandes de Lima diz que medidas visam flexibilizar a grade curricular
O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, na quarta-feira 4, as novas diretrizes do ensino médio. O CNE decidiu flexibilizar o currículo desse ciclo e conferir às escolas mais autonomia, permitindo que elas montem seus projetos político-pedagógicos a partir de quatro dimensões do conhecimento: ciência, tecnologia, cultura e trabalho. Na prática, o conselho espera aproximar essa grade curricular da realidade do jovem brasileiro numa faixa-etária em que existe alto índice de evasão, 10%, de acordo com dados de 2009. Além do mais, somente 50% dos jovens entre 15 e 17 anos matriculados no ensino regular frequentam as salas do ensino médio. Os demais permanecem no ensino fundamental.
A escola poderia, desse modo, direcionar o estudo de acordo com a vocação das comunidades onde estão localizadas. Uma instituição num distrito industrial teria como centrar-se em disciplinas ligadas à tecnologia, química e física. Já em regiões turísticas, o foco poderia ser em história e geografia. O texto final ainda está na fase de revisão técnica e precisa ser aprovado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. O relator do documento, conselheiro José Fernandes de Lima, diz que as diretrizes vão além da dicotomia entre conhecimento científico e ensino técnico. Em entrevista a CartaCapital, ele diz que o objetivo principal é conferir uma identidade ao ciclo, o que refletirá diretamente na diminuição dos índices de evasão. Confira os principais pontos da entrevista.

CartaCapital: Quais as razões da discussão de novas diretrizes para o Ensino Médio?
José Fernandes de Lima:


 O que motivou o documento foram as transformações sociais e tecnológicas dos últimos anos. Isso pressionou fortemente as escolas para uma aproximação com a realidade do jovem. No Ensino Médio, o jovem espera encontrar na escola programas que tenham a ver com seus projetos de vida, e isso não acontece hoje.

CC: Por que?

JFL:
É uma explicação histórica. O Brasil demorou muito para investir no Ensino Médio. Somente em 1931 instalou-se o Ensino Secundário, e a ampliação da oferta do Ensino Médio é dos últimos 20 anos. Por muitos anos, esse ciclo sempre foi tratado de forma excludente, não conseguíamos trazer os alunos para a escola. Então houve um grande esforço do País nos últimos anos no principal ponto, o acesso. No final da década de 90, para se ter uma ideia, tínhamos a metade do número de matriculas no ensino médio do que temos hoje
.
CC: Qual é esse número?

JFL:
Cerca de 8,3 milhões de pessoas no ensino regular. Mais 1,6 milhão matriculado no Educação de Jovens e Adultos (EJA).

CC: É correto afirmar que é uma tentativa de tornar um Ensino Médio mais próximo do Ensino Técnico?

JFL:
Não. Acreditamos que o Ensino Médio não deve preparar apenas para a continuidade do estudo no ensino superior. Ele também tem que preparar o aluno para a vida. Afinal de contas, trata-se da etapa final da Educação Básica. Entretanto, a escola não pode abrir mão de aprofundar o ensino científico. Propomos que, além da parte teórica, ela aposte no trabalho como princípio educativo, explorando as relações do trabalho e momentos de trabalho coletivo. Propomos que a escola explore as novas tecnologias e articule-se em torno de áreas como artes e cultura. As novas diretrizes para o Ensino Técnico estão sendo trabalhadas separadamente. Mas é importante ressaltar que as diretrizes não são receitas prontas, as escolas devem debater com as comunidades para fazer as adaptações na grade curricular.

CC: Quais as alterações que as diretrizes propõem para as aulas em período noturno?

JFL:
Nesse ponto também entra a questão de dar uma identidade ao ciclo. Para que o Ensino Médio chegue a toda a população nessa faixa-etária, as escolas devem usar de criatividade e flexibilidade. Se há dificuldades para cumprir as 2,4 mil horas em três anos, porque muitos trabalham durante o dia, o jovem poderia concluí-lo em três anos e meio ou quatro anos. Também abrimos a possibilidade para que no ensino noturno até 20% das aulas sejam não presenciais.

CC: Propor um Ensino Médio menos tradicional não prejudicaria a questão do acesso à universidade, predominantemente marcado por vestibulares?

JFL:
Colocamos nas diretrizes que as avaliações, inclusive os vestibulares, devem levar em consideração esse novo modelo. Nesse sentido, a reformulação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já foi um avanço. Mas na medida em que formos avançando na implementação das diretrizes, novas formas de avaliação podem ser discutidas.

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